A NOVA REDAÇÃO DADA AO ART. 156, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, CONFERIDA PELA LEI 11.690/08 - ASPECTOS CONSTITUCIONAIS

Implicitamente, a Constituição Federal de 1988 adotou para o processo penal brasileiro o sistema acusatório, separando nitidamente as funções de acusar, julgar e defender. Deve o juiz nesse sistema, manter-se eqüidistante das partes, buscando a preservação de sua imparcialidade, garantia de relevo para o devido processo legal, haja vista a possibilidade de proporcionar uma reconstrução histórica dos fatos a serem julgados, aproximando-se mais da verdade real.

Como característica do sistema acusatório, a função precípua do juiz é de ser garantidor das regras do jogo, cabendo às partes a apresentação de suas provas licitamente obtidas, razão pela qual é imprescindível que haja a paridade de armas. Sendo o acusado sujeito de direitos, deve ser capaz de produzir suas provas em posição de igualdade com a acusação.

Se ao juiz for dada a atribuição para determinar de ofício a produção de determinada prova, que venha a favorecer a acusação estará então se investindo em uma atividade própria do órgão de acusação, qual seja o Ministério Público, afrontando o sistema acusatório. Em assim agindo, nitidamente também restará prejudicada a sua imparcialidade, bem como restarão violados os princípios da inércia e da iniciativa das partes.

A nova redação dada ao disposto no artigo 156, inciso I do C.P.P., pela Lei nº 11.690/08 (“Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida), colocou-o em consonância com a ditadura fascista, na qual foi elaborado em 1941. Em razão da atual ordem constitucional de um Estado de Direito Democrático, referido inciso está em rota de colisão com o sistema acusatório. Representa o seu enfraquecimento, vez que seu principal preceito é a separação das funções de cada sujeito processual.

Exercendo o Juiz esta função investigatória, resultará na afetação de sua imparcialidade. A possibilidade dessa ação concreta do julgador na causa deve ser afastada, para impedir que o mesmo adote uma postura tipicamente acusatória no processo, até mesmo por achar insuficiente a atuação do titular da ação penal, qual seja o Ministério Público, para que não sejam violados os princípios do contraditório e da ampla defesa, e, principalmente da isonomia processual.

Esse dispositivo não pode permitir ao julgador, que produza provas contra o acusado, antes mesmo de haver qualquer imputação, sem a qual também não haverá processo, sendo, portanto, impertinentes e atentatórias à imparcialidade. Sem que haja a provocação do interessado, não deve o juiz produzir ou determinar a produção de provas, de forma inquisitorial.

Enfatiza Eugênio Paccelli de Oliveira, in: Curso de Processo Penal. 5 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.p.328.:

“O sistema de garantias individuais, instituído no art. 5º da CF, bem como pelos diversos documentos internacionais afirmativos de direitos, permite um redimensionamento do modelo do CPP, de tal modo que o aludido princípio ‘batizado como da verdade real’, não tem mais o condão de autorizar uma atuação judicial supletiva e substitutiva da atuação ministerial (ou da acusação)”.

Em recente e Em recente entrevista concedida à Revista OAB IN FOCO, o mesmo Mestre Eugênio Paccelli, assim posicionou-se:

OAB IN FOCO - O art. 156 da Lei 11.690 permite que o juiz produza provas contra o réu. Isto não viola o princípio acusatório (princípio do contraditório)? Afinal, o ônus da prova para condenar não seria do MP?

E.P.O. - Não só viola o sistema acusatório, como incentiva uma cultura que deve ser superada no Brasil. O juiz criminal não deve ocupar função de proeminência na persecução penal. Existe um órgão específico para cuidar disso (o MP), no que é auxiliado suficientemente pela Polícia, indevidamente denominada "Judiciária". A Polícia atua com o Ministério Público e não com o Judiciário. O juiz deve ser o juiz das liberdades públicas, isto é, deve atuar preservando as garantias individuais, antes da decisão final, e aplicando o Direito Penal, quando for o caso, no exercício, então, de função tipicamente jurisdicional. Questões relativas à qualidade da prova, para fins de condenação e de acusação, não dizem respeito ao juiz, ao menos no que se refere à produção dela (prova). Jurisdição não é investigação e não é acusação. Tampouco é defesa, mas, sim, o julgamento de uma questão penal segundo o Direito válido.

Resta evidenciado, portanto, que não foi esse o modelo idealizado e implicitamente introduzido pelos constituintes, no nosso ordenamento jurídico.

Em assim permanecendo tal procedimento, quando determinar o juiz a produção de provas de ofício, além de comprometer a sua imparcialidade, estará também vulnerando o modelo acusatório adotado pela CF/88, que delimitou as funções de acusação e de defesa, atribuindo ao juiz a função jurisdicional de processar e de julgar, mas não a de investigar.

Diante disso, torna-se possível a afirmação de que, num primeiro momento, referido inciso não se coaduna com os preceitos da Carta magna, sendo, portanto, inconstitucional.

Autora: Veralúcia Caixeta (Advogada), pós-granduanda pela UNIDERP - rede LFG.



Nenhum comentário: